Por Sandra Damiani (Sapopema Comunicação Socioambiental)
Pescadoras artesanais, marisqueiras e extrativistas criaram, com o apoio da GIZ Brasil, uma rede de mulheres na região da Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais, em Alagoas, uma das maiores faixas contínuas de recifes de corais do mundo onde vivem milhares de famílias em mais de 40 comunidades . A iniciativa foi liderada por 31 mulheres extrativistas costeiras e marinhas que participaram de um seminário sobre pesca artesanal, promovido pela GIZ. A partir daí, colocaram sua energia para levar as discussões sobre direitos humanos para outras mulheres da região com uma realidade semelhante de muito trabalho, baixa escolaridade, pouca visibilidade e um grande desejo de transformação em suas comunidades.
Em poucos meses, mais de 400 mulheres estão envolvidas para consolidar a Rede de Mulheres Pescadoras da Costa dos Corais e participar ativamente nas políticas públicas e nas decisões que afetam suas comunidades. O desencadeador deste movimento foi uma série de capacitações que incluíram também as comunidades tradicionais do Arquipélago de Abrolhos, na Bahia, o mais importante berçário das baleias jubartes do Atlântico Sul, com o envolvimento de 700 mulheres. A organização destas mulheres possibilitou a criação de um espaço de vendas on-line numa plataforma virtual onde as pescadoras conseguem vender seus produtos pesqueiros. Elas esperam poder comercializar também seus artesanatos, óleos beneficiados e serviços de turismo de base comunitária, atividades tradicionais sustentáveis que asseguram qualidade de vida e são aliadas da conservação da rica biodiversidade costeira local.
Isabel Chagas aprendeu na infância a profissão que exerce hoje. Desde pequena observava e acompanhava sua família na atividade que já era, sem ela saber, a atividade da sua vida. “Acompanho minha mãe para pescar desde os seis anos de idade. Íamos para o mangue tirar marisco e ostra e vender na feira, fazendo de tudo um pouco.”, conta. Aos 54 anos, Isabel continua vivendo da pesca e tem nos peixes e mariscos a principal fonte de sustento de sua família. Nascida em uma família de sete irmãos, Natália Santos começou cedo a pescar com seu pai. Na adolescência, chegou a trabalhar em cozinha, mas percebeu que o que gosta mesmo é da pesca.
Isabel e Natália são algumas das mulheres pescadoras que vivem de várias atividades ligadas à pesca artesanal na região da Costa dos Corais. A maior parte dessas mulheres se dedica à mariscagem, captura de caranguejos, pesca com varas ou redes, além de preparar e vender a produção. Além disso, são responsáveis pelas atividades domésticas e pelos cuidados com os filhos. Envolvidas com tantos afazeres para garantir o sustento e bem-estar de suas famílias, muitas dessas mulheres não tinham sequer a noção de que ser pescadora é sua profissão. “Trabalho com o cultivo de ostras e não entendia meu trabalho como pesca, nem sabia que existiam mulheres na pesca. Imaginava que eram só homens nesse trabalho.”, relata a pescadora Jaqueline dos Santos.
Pescadoras e pescadores tradicionais são, em grande parte, invisibilizados no Brasil e têm participação limitada em processos decisórios políticos. Essa situação afeta, particularmente, as mulheres pescadoras e também aquelas que processam ou comercializam produtos da pesca.
Encontro transformador – Em 2018, ao participar de um seminário do Projeto TerraMar sobre pesca artesanal, essas mulheres começaram a mudar o seu destino. Naquele encontro, apesar da maioria dos participantes ser formada por homens, as mulheres se uniram nas discussões de grupo. A proximidade entre elas foi tanta que elas pediram apoio ao TerraMar para se fortalecer. Começava ali a história da Rede de Mulheres Pescadoras da Costa dos Corais.
Com o apoio da GIZ Brasil, cerca de 400 mulheres foram envolvidas em um processo formativo para aprimorar o conhecimento de seus direitos, a valorização de sua identidade e cultura e o pertencimento à categoria de população tradicional. Durante seis meses, participaram de seminários, oficinas e palestras que deixaram as mulheres não apenas mais unidas, mas também mais fortes e preparadas, conhecendo seus direitos e entendendo melhor seus papéis na comunidade. Alguns benefícios dessa formação já podem ser vistos. Natalia ressalta que os encontros proporcionaram mudanças para toda comunidade. “A Rede nos fez ficar mais empoderadas e confiantes e nos deu conhecimento sobre educação ambiental na pesca, e isso vai ajudar na sustentabilidade de várias famílias.”
O processo de criação da Rede de Mulheres trouxe também vários ensinamentos sobre a possibilidade de articulação de mulheres, que pode colaborar tanto para a manutenção e o desenvolvimento da própria Rede quanto para outros projetos que visam a organização e o fortalecimento de coletivos femininos.
As mulheres se sentiram mais capazes de ocupar espaços. Estão se posicionando e têm mais clareza de sua importância na pesca artesanal. Agora, não estão apenas nos espaços para apoiar os maridos pescadores, mas porque são pescadoras também. Ganharam força para conquistar esse lugar de fala que antes era impossível.